quinta-feira, 29 de junho de 2006

O canto puro representa uma força de atração direta que atinge algo que está além das construções defensivas do ego, indo diretamente mobilizar, constelar poderosos aspectos inconsciente da personalidade.
Os sons, a música e a voz são os instrumentos utilizados para atrair, seduzir e convencer, ultrapassando todos os contra-argumentos retóricos, morais e psicológicos. Essa força de sedução talvez se deva menos a debilidades do ego e mais ao fato de que algo profundo é tocado ou despertado ao som.
Significa, conduzir à parte, guiar a outro lado, mudar de rota, deslocar, divagar, digredir, obrigar a mudança.
Mas que mudança? Mudança no sentido psíquico, para que se dê ouvidos à alma, à anima, para que dialoguemos com nossas potências inconscientes e para que possamos de fato dar asas a nossa imaginação simbólica, criativa, se levamos a fundo o sentido de individuação proposto por Jung. O canto da sereia pode ser arrebatador e mortal, para o ego.
Qualquer força masculina é força de produção. A única, e irresistível, força da feminilidade é aquela, inversa, a da sedução. A sedução é mais forte do que a sexualidade, com a qual não há que confundi-la nunca. Só está morto aquele que não quer seduzir em absoluto, nem ser seduzido.
As sereias cantam para que mantenhamos o diálogo criativo com o inconsciente, com a imaginação, entre a vida e a morte, entre a sereia e o pescador, que afinal somos todos nós. Não adianta apenas ficar amarrado resistindo, e depois deixar morrer a tentação. É preciso mais. É preciso que em nossas vidas haja mais espaço para processamento, tempo de elaboração, um tempo circular, pela experiência, no cumprimento de ritos que venham a atualizar os mitos dentro de nós.

Elas possuem uma arma maior do que o seu canto. O silêncio. Eu acrescentaria o mistério. A liberdade e a rebeldia. De índole indomesticável, uma sereia nunca é dominada, a não ser que este seja o seu desejo.A sereia parece sempre trazer no peito uma grande dor de amor. É vítima de alguma injustiça, quando na sua forma humana. A dor e a falta da sua contraparte masculina passam a fazer parte de sua natureza, de modo indistinto.
Por última imagem quero restituir aqui a imagem da sereia alada que em algum lugar, e sempre, ainda canta para dar asas à nossa Imaginação e à construção da Alma.

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